Crônicas do Serpa
Quem possui mais de cinquenta anos de idade, e gosta de futebol sabe que antigamente em nossa capital, em todos os bairros, existiam os badalados times amadores, agremiações essas que alimentavam os nossos times profissionais, fornecendo os seus melhores valores, através do antigo passe, muitas vezes trocado por vários pares de chuteiras.
No bairro de Cruz das Armas, tinha o excelente esquadrão da Portuguesa, em Mandacarú existia o Jangadeiro, na Torre, o Ibis, em Jaguaribe tinha o ABC, no Róger, funcionava o Guarani, nos Expedicionários a temível Portuguesa, e outros como o 5 de Agosto, Estrela do Mar, o Felipéia, o Palmares, o Palmeiras a Ponte Preta e tantos outros que a memória no momento não lembra onde funcionavam as respectivas sedes.
Eram times organizados, com padrões, sede, estatutos e devidamente registrados no Departamento Amador da nossa Federação Paraibana de Futebol, mantidos por amigos, políticos e benfeitores, uns até chegando a possuir quadro de sócios, com carteirinha e tudo mais.
Agora, todos esses times possuíam uma coisa em comum. Era o que chamávamos de “Dono do Time”, eram os abnegados cidadãos que faziam tudo e mais alguma coisa, para ver o time em campo. Eles faziam de suas casas, a sede do clube. Nas suas dependências eles guardavam a documentação e os padrões da agremiação. Eram eles que levavam todo o material esportivo para o campo: camisas, calções, meias, chuteiras, apitos e bomba para encher as bolas. Levavam água, gelo e laranjas para os seus atletas. Éter, pomada iodex, iodo, mercúrio cromo, gases e esparadrapos em uma improvisada mala de primeiros socorros, também era missão para os “Donos do Time”. Uma cena comum naquela época era você passar em frente da casa deles e ver o padrão do time estirado no varal, secando, para ser usado no próximo jogo. Eles compravam sebo de carneiro, na feira, e passavam nos pontos e no couro das antigas e saudosas bolas de couro, depois as colocavam no sol.
A dedicação desses senhores era tão grande, que os seus nomes foram com o tempo, incorporados e passaram a ser uma espécie de sobrenome do time. Era assim que chamávamos os clubes, por exemplo, o Ibis de Dimas Medeiros, o Jangadeiro de Seu Leite, o Guarani de Cabeção, o ABC de Abel, a Portuguesa de Inaldo. Até mesmo agremiações que disputaram o campeonato profissional, como o Santos e o União, ficaram conhecidos e batizados usando os nomes de seus “Donos” como “Santos de Tereré”, e o “União de Seu Costeira”.
Pois bem, o que muita gente não sabe, é que um clube como o Botafogo da Paraíba, do alto de seus 83 anos de conquistas e glórias, portando troféu de campeão brasileiro, também possui um “Dono”. Isso mesmo que você acabou de ler, o nosso Belo tem um cidadão com as mesmas características e dedicação acima citadas.
Ele, de pés juntos, me jurou ter apenas 60 anos, o que não me convenceu por hipótese alguma. Os exagerados falam que ele assinou a ata de fundação do clube, outros comentam, com ironia, que ele brincou de bola de gude com Beraldo de Oliveira, fundador e primeiro presidente do Botafogo.
Deixando as especulações de lado, esse abnegado torcedor carinhosamente chamado de “Dono do Time”, direta ou indiretamente possui a sua vida interligada com a do clube, desde a metade da década de 60, do século passado, período em que residiu próximo do antigo campo de Pedro Gondim, onde hoje funciona o Espaço Cultural, antiga sede do Belo. Ali surgiu a sua paixão, assistindo aos treinos do time, que o levou a nunca mais se separar do alvinegro, que passou a ser posteriormente chamado de tricolor e, por último, voltou a ser alvinegro da estrela vermelha.
Aquele garoto que admirava os dribles de Nininho, e que chorou a sua prematura morte, foi crescendo nas arquibancadas do campo da Graça, do Olímpico do Boi Só e por último frequenta o Almeidão, desde a sua inauguração, sempre prestigiando o seu time, colaborando como sócio, como Conselheiro e finalmente como Presidente. Em 1991, ele teve o prazer de exercer o cargo de Presidente da Diretoria Executiva do clube. Ele sempre esteve presente, nas vacas gordas e principalmente nas magras, com ideias, desprendimento e dedicação.
Claro que, por estar presente durante esse tempo todo, sempre colaborando com os dirigentes do clube, discutindo e divergindo quando necessário, o “Dono do Time” conseguiu inúmeros amigos, e, como não poderia deixar de ser, algumas inimizades, essas últimas sempre resolvidas com o diálogo.
É ele quem possui o maior acervo do clube, de jornais, fotografias, documentos, artigos, recortes de revistas, bandeiras, súmulas, livros, faixas, vídeos, CDs etc. De antemão, caro leitor, eu lhe previno, não empreste a ele nada relacionado ao Botafogo-PB, pois ele criou uma lei de usucapião e nunca mais lhe devolve. Não adianta espernear, pedir, etc. Nunca mais você receberá de volta o seu material.
E todo mundo aguarda, ansiosamente, a publicação de seu livro, com dois excelentes volumes, que tive o prazer de dar uma rápida folheada, contando a história do “Seu Time”, que batizei de Velho e Novo Testamento do Belo, tamanha é a sua abrangência histórica, metodológica e cronológica.
O leitor já sabe de quem estou falando, claro, de Raimundo de Gouveia Nóbrega Filho, o popular “Dono do Botafogo-PB”.
Francisco Di Lorenzo Serpa
Membro da API, UBE e APP
falserpa@oi.com.br
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