Crônicas do Serpa
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O futebol possui uma capacidade enorme de unir pessoas, independente de classe social, credo, língua, religião, idade, sexo, etc. Há relatos que nos informam que determinados jogos serviram para paralisar guerras civis pelo mundo afora.
E dentro dessa visão, digamos humanitária, era comum times amadores da capital jogarem nas tardes de sábado dentro do então denominado Presídio Modelo do Roger. É, meu caro leitor, lá havia um timão denominado jocosamente de “Liberdade Futebol Clube”.
Isso mesmo, o time era formado por detentos que tinham habilidade com o maior e melhor esporte do mundo: o futebol. E realmente eles tinham um time quase imbatível que jogava e treinava todas as semanas com bastante regularidade. Jogar naquele time dava status ao preso.
Lembro muito bem de três jogadores que se destacavam naquele time do presídio. Betão, um habilidoso lateral direito, que tinha passagem pelo Sport do Recife. Ferreira, meio campista que havia jogado no Auto Esporte Clube, e um goleador, centroavante apelidado de Macarrão.
Pois bem, era uma festa no presídio. O campo era gramado e com dimensões não oficiais, porém dava para se jogar com os respectivos onze jogadores. Os demais detentos cercavam o campo para assistir e torcer.
Os agentes penitenciários ficavam em locais estratégicos garantindo a ordem. A polícia militar nas guaritas e na parte externa. O diretor do estabelecimento prisional pessoalmente recebia o time visitante.
E foi naquele campo que a seleção – pega na rua -, do Bairro dos Expedicionários jogou e perdeu várias vezes. Um empate já era por nós considerado um excelente resultado. O conjunto, a pressão, e o juiz sempre ajudavam o time da casa.
E em uma bela tarde de sábado, no longínquo ano de 1979 o nosso time foi enfrentar o Liberdade Futebol Clube, com muita disposição e levando os melhores craques do bairro. Fomos com o intuito de obtermos a primeira vitória dentro das muralhas do Roger.
E conseguimos. Vencemos aquele jogo inesquecível pelo placar de 3 x 2, de virada, com três gols de Ricardo Papuda, que juntamente com Ricardo Cabaré e Chico Lacrau formaram o meio de campo.
A nossa defesa era composta por atletas experientes e viris, que resistiram à pressão do time da casa . Alexandre Pai Vei era o nosso zagueiro central e junto com Naná, na lateral direita, baixaram o pau. Paulinho da Vaca e Dário doido completavam o sistema defensivo. No gol tinha Eduardo Macaco, goleiro do Cabo Branco.
No ataque tínhamos Vanni, Sérgio Rolex e Jaciro Mochila. Estes dois últimos jogaram no amador do Botafogo.
Agora, o que marcou muito aquele jogo, foram as situações engraçadas que ocorreram dentro e fora das quatro linhas. A primeira foi quando o nosso lateral direito gritou para alertar um companheiro do nosso time:
_ Cuidado, olha o ladrão! O atleta adversário não gostou, nem entendeu a frase bastante usada no futebol e levou para o lado pessoal.
_ ladrão é a PQP, respeite-me, eu sou assassino!
O segundo fato que nos chamou a atenção, foi quando os paraquedistas começaram a saltar dos aviões no aeroclube do Bessa, proporcionando uma vista bonita de dentro do presídio, pois naquela época o descampado era grande e não havia os prédios de hoje.
Mas teve um jogador do time dos presos que se irritou, dizendo logo em seguida. _ Esse fresco tá livre, no lugar de ir tomar cana e pegar uma nega, vai arriscar a vida pulando de paraquedas. E por último completou: Era bom que o vento trouxesse ele para cair aqui dentro pra eu poder dar umas facadas em seu bucho.
Por último, a tarde começou a ir-se embora, e a noite foi-se chegando devagarinho e o juiz (que também era preso) não encerrava o jogo. A gente reclamava, mostrava que o tempo regulamentar já havia findado, e os descontos também.
Começamos a gritar como forma de protesto, chamando a atenção de um Agente Penitenciário, que por sua vez foi até a parte administrativa e avisou ao diretor, que desceu de seu gabinete, percorreu pelo pátio, entrou em campo, tomou o apito das mãos do juiz, levantou os dois braços e soprou com toda força no apito, encerrando aquele jogo.
Fomos obrigados a deixar o presídio em fila, juntos com o Diretor e protegidos por forte escolta policial. Naquela tarde, encerramos uma invencibilidade de meses do famoso Liberdade Futebol Clube.
Francisco Di Lorenzo Serpa
Membro da API, UBE e APP
falserpa@oi.com.br
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